Reportagem – Entre Fatos e Acasos: A História da Igreja Católica

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Em 1867, o município de Tiros-MG, que tinha como nome Freguesia de Santo Antônio (mais tarde Vila Velha), se elevou à paróquia, incorporando-se a Vila de Nossa Senhora das Dores da Marmelada (hoje Abaeté). Nesse povoado, o primeiro cura, Padre Manoel Antônio da Silva, fixou sua residência e passou a construir a história do catolicismo e da Paróquia de Santo Antônio no distrito.

Antiga Matriz de Santo Antônio na Vila Velha (futura cidade de Tiros). Foto: Acervo do Patrimônio Cultural.

A data de 27 de junho dia e mês do nascimento de uma das maiores representantes do anarquismo Emma Goldman, e o ano de 1869 auge da abolição da escravatura em todos os domínios de Portugal, também está marcada nesse trajeto, por constar nos livros antigos como sendo o primeiro batizado realizado nessa igreja. A contemplada era filha de uma escrava (Josefa Criolla) nascida a três meses da época citada, que se chamava Maria Criolla. Ela foi batizada pelo então segundo vigário, Luis Ferreira da Silva Luz.

Padre José Coelho Nogueira. Foto: Acervo da Matriz de Santo Antônio de Tiros.

Praticamente quatro anos se passaram, até que em 19 de janeiro de 1873, Olegário José Ribeiro Caldas assumiu a igreja da cidade, em pleno ano em que Dom Pedro 2º enviou ao Vaticano a chamada “Missão Penedo” (que tratava de resolver as questões que prejudicavam o Paraguai junto com a Igreja). Anos depois, com a passagem dos padres Miguel José de Morais, Luiz Alberto e Raphael Palmeiras, juntamente com a Lei Áurea de 1888, a então jovem e sua mãe citadas acima, que muito já tinham sofrido nas mãos do seu senhor de engenho, José Gontijo, puderam agir livremente, tendo o árbitro direito de escolher até mesmo a qual religião seguir.

Sendo a mais forte, a Igreja Católica, que naquela época tolerava o aborto, começou a sua concretização e consequente transformação, após saída do padre Miguel Kerdole Dias Maciel e chegada de Torquato em 19 de novembro de 1911. Esse último teve passagem curta, visto que após sete meses deu lugar para José Coelho Nogueira, um dos padres mais famosos da cidade, que inclusive recebeu como homenagem, seu nome engrandecido na Escola Estadual Padre José Coelho (que em 2016 completou 50 anos de atividades).

Coelho ficou na Matriz de Santo Antônio e nas mais de vinte paróquias que faziam parte do cenário católico da região até 25 de fevereiro de 1945, onde recebeu ajuda de Vigilato Fiuza e de Cônego Aristeu Cândido de Oliveira, enquanto vigários cooperadores. O trabalho simultâneo entre dois padres era muito frequente naquela época e era mais comum quando algum evento se sobressaía dos demais. Na administração desse último padre citado, deu-se por encerrado esse monopólio.

“O primeiro batizado que o Aristeu realizou foi o meu, em fevereiro de 1941, durante curta passagem na cidade, antes de assumi-la por completo”, falou a sobrinha dele, Alexina Caetano de Almeida, que nasceu em 25 de janeiro do mesmo ano.

Enquanto Tiros caminhava para a sua municipalização em 1924 e a população do munícipio chegava perto dos vinte e seis mil habitantes, entre os moradores da cidade e das fazendas, uma história com vários personagens, começava a se desenvolver. Estou falando do padre citado acima, Cônego Aristeu (in memoriam), no qual terá sua carreira pessoal e profissional contada com profundidade a partir de agora:

TRAJETÓRIAS

“A trajetória de vida do meu amigo Aristeu dá uma boa história”, disse em entrevista, José de Almeida Rocha.

Cônego Aristeu Cândido de Oliveira. Foto: Acervo da Matriz de Santo Antônio de Tiros.

Nascido em 8 de outubro de 1912, no povoado do Canastrão, Aristeu Cândido de Oliveira era um dos sete filhos (quatro mulheres e três homens) do casal Pio Candido de Oliveira e Josefina Xavier. Ele, que desde pequeno se viu seguindo a vocação sacerdotal enquanto fazia a escola primária e ajudava seu pai com a lavoura da família, logo aos quinze anos, já frequentava um seminário.

Em 1931, com seus dezenove anos, foi transferido para o Caraça, Seminário Arquidiocesano da cidade de Diamantina-MG (que nesse ano de 2018, completa 151 anos ininterruptos de funcionamento). Mas esses estudos só foram possíveis, graças à ajuda de seus amigos e vizinhos. Em 29 de dezembro de 1940, já formado, Aristeu ordenou-se padre em Dores do Indaiá-MG.

Iniciando suas atividades nessa data, o Cônego passou também a ser vigário cooperador na cidade de São Gonçalo do Abaeté e de 1947 até 1955 enquanto era administrador da paróquia de Tiros, foi dirigente da Igreja Católica do distrito de Chumbo (conhecido como Areado, que está localizado no município de Patos de Minas-MG).

Após saída de José Coelho Nogueira, sendo nomeado pároco de Tiros, Cândido de Oliveira finalmente retornou ao seu lugarejo natal, de onde passou a realizar todas as tarefas propostas pelo cargo, mas com um pouco mais de rigidez. Afinal, por ter sido o padre que mais tempo ficou por lá, era preciso criar uma “armadura” que lhe fizesse ser diferente dos outros. Trabalhando sempre com seriedade, o mesmo através de suas homilias tão sábias, a todo o momento, trazia notícias do mundo inteiro, para dividir com os fiéis que informações lhe eram difíceis.

“Ele não era bravo, ele era enérgico”, relembrou Jandira Amaral, durante bate papo em sua casa, no dia 10 de março de 2018.

Mas a narrativa do padre não é a única a ser descrita aqui, tem também a de Jandira Amaral Rocha e José Caetano de Almeida. O casal não é da mesma família do vigário, muito menos são parentes longes, caso você tenha imaginado, mas eles estão entre os grandes representantes do catolicismo segundo o Dicionário Aurélio, conjunto de preceitos que se segue na igreja católica apostólica romana, da região, além de serem conterrâneos.

Seu José, ou melhor Zé Rocha, como ele é conhecido, acha que sua história e de sua esposa não dá um bom relato, mas as suas memórias são tão boas quanto a de Aristeu. As duas, inclusive, já adiantando, vão se cruzar durante vários momentos dessa reportagem memorável (jornalismo investigativo) e por isso serão contadas simultaneamente, a partir de agora.

CONTERRÂNEOS DE FÉ

Durante esse tempo de aprendizado e volta do atual padre, os cônjuges Alvin José do Amaral e Anísia Maria de Jesus, constituíam a sua família ainda no distrito do Canastrão. Eles foram um dos primeiros casais a ter casamento celebrado pelo Cônego Aristeu. Jandira Amaral Rocha, umas das cinco filhas mulheres desse casal e assim personagem principal desse enredo, nasceu no dia 2 de abril de 1945 e desde pequena, sempre frequentou as missas junto com a sua família.

Podia ela, não entender nada por ser muito novinha, mas isso piorava ainda mais, visto que a celebração da missa era toda feita em latim. Para se ter uma ideia, segundo o site O Globo (2014): “Foram séculos assim, até que o Concílio Vaticano II, na década de 1960, introduziu inúmeras mudanças, o uso da língua local e o padre de frente para os fiéis”.

De uma missa a outra e à medida que os anos passavam, Aristeu de Oliveira teve a sua vida cruzada com a de Jandira Rocha. A família dessa personagem morava na fazenda “Ribeirão de Águas Claras” que ficava entre dois pontos, a qual paróquias o vigário tinha que ministrar missas: Rapadura e Canastrão.

Aristeu pegava um jipe na Igreja Matriz de Santo de Antônio de Tiros e seguia a estrada mestra, para primeiro realizar a eucaristia no vilarinho da Jaguará. De lá, ele prosseguia para o local do seu nascimento, onde só depois partia para a Rapadura. Desta vez a cavalo, visto que tinha que atravessar o rio Borrachudo e, com o carro não era possível.

De uma vez ou outra, as águas traiçoeiras do curso do rio transbordavam incansavelmente, impossibilitando-o de fazer a passagem. Por causa disso, muitas vezes ele dormiu na fazenda que um dia foi da protagonista citada acima. Lá, ele passou a ter o carinho dos moradores e dar-lhes o mesmo. Mas bem antes de tudo isso, o vigário foi o responsável por batizar Jandira e também toda a sua família.

O PADRE ANDAVA ARMADO

Antigamente, problemas como a criminalidade e as disputas armadas eram corriqueiros no Brasil. Na década de 1940, época de chegada do padre na província (já citada acima), não era diferente. O uso da arma tornou-se frequente, principalmente pela população do meio rural, que encontrava nela, a única forma para se proteger do perigo, que muitas vezes vinha acompanhado da dominação de suas terras.

Em suas andanças missionárias pelo munícipio e região, Cônego Cândido de Oliveira, tinha como principal objetivo apaziguar os diversos conflitos da sociedade tirense, a partir de palavras e atos da Igreja. Nem sempre era possível realizar todas as missas do dia e o padre além de dormir na fazenda dos familiares de dona Jandira, tinha de “posar” em outras casas.

Em uma dessas noites, Aristeu se viu tendo que quase usar a sua arma calibre 38. Tudo aconteceu por que alguns jovenzinhos, que mal sabiam o poder de uma arma, começaram a brincar de dar tiro pra cima, atrás do cemitério do povoado onde estava. O padre ficou tão bravo, que naquela noite nada dormiu.

No outro dia, após o sino, que sempre tocava quando o padre se encontrava em frente ao altar, ele retirou sua arma de baixo da batina e como lição de moral, disse aos fiéis, em especial aos homens, que homem de verdade não fazia aquilo, mas sim moleques. Com isso, ele também se recusou a voltar a dormir no lugarejo, ou seja, caso o padre chegasse a tempo, se o próprio tempo ajudasse, lá estaria ele para celebração da missa, caso as condições não favorecessem, o jeito era esperar outra oportunidade.

ROMANCE À VISTA

Em 1958, D. Jandira e seus parentes se mudaram para a cidade _ o meio rural começava aqui, a sofrer algumas perdas em relação à população , mas isso não fez com que o padre deixasse de enfrentar as viagens. Era hora de arrumar um outro lugar para passar a noite até ele desistir de vez desses feitos. Nisso, Jandira, nos auges dos seus treze para quatorze anos, viu seu coração começar a sentir algo novo, após se deparar com um mocinho (Zé Rocha, nascido em 22 de fevereiro de 1941) que acompanhado de sua mãe, Jovita Caetano de Almeida _futura parteira da cidade, visitava a casa de Anísia e Alvin.

Aristeu Cândido junto com a irmã mais nova de dona Jandira, Lurdinha. Foto: Acervo da família

Ajudante pessoal do padre vigente por muitos anos como coroinha (um dos primeiros da paróquia de Santo Antônio), seu Zé cresceu com as lições e obrigações da vida católica, mas estas, com um pouco mais de exigências, afinal Aristeu não deixava que nada fugisse do seu controle, enquanto responsável pela disseminação da palavra de Deus na comunidade.

Para Jandira, também não foi diferente, ela juntamente com suas irmãs, faziam parte da Pastoral da Cruzada Infantil e anos mais tarde, da Pastoral das Filhas de Maria. Ambas criadas pelo padre, como forma de realizar as missões da Igreja com e para a comunidade, a partir da ação de Jesus Cristo.

Três anos mais velho que dona Jandira Amaral, mas ambos ainda muito jovens, os dois apaixonados, que antes apenas olhares se cruzavam entre o vaivém nas tardes de sábado e domingo, em saída e entrada para funções na igreja, que até hoje fica em frente a pracinha (Praça Santo Antônio) , criaram coragem para finalmente se sentar em um banquinho da praça e logo caminhar pela estrada de terra vermelha e batida.

Mas o romance até então proibido pela família da moça, fez com cada um seguisse o seu caminho e só ficar realmente juntos após quatorze anos. Seu José chegou a se comprometer com uma moça em Belo Horizonte-MG, onde ele trabalhava. Como o amor falou mais alto, ele voltou ao encontro da amada, mas logo viu sua vontade desmoronar. Ela estava prestes a subir ao altar.

Frente a frente, Jandira sentiu-se iluminada pelo Espírito Santo e com visita do então noivo, em janeiro de 1973, silenciosamente, ela retirou do seu dedo a aliança de noivado e a colocou no bolso da camisa do noivo, dizendo “vai com Deus”. Assim, Zé Rocha e Jandira puderam finalmente projetar um futuro após árdua batalha.

CONQUISTAS

Voltando ao padre enquanto um pouco dessa história de amor acontecia, sendo ele o que por mais de anos ficou no munícipio, Aristeu, com toda a sua disciplina, logo conquistou a comunidade tirense. Ele liderou junto a um juiz, um promotor da Comarca e mais ou menos quarenta homens, um movimento para criação de um colégio ginasial (citado no quarto parágrafo), visto que na cidade só existia o ensino primário.

REIS, Luiz Henrique Gontijo dos, 2018: “Foram no total, oito profissionais a exercer a função de diretor da escola. Cônego Aristeu Cândido de Oliveira foi o mais promissor, visto que foi o primeiro e ficou por 16 anos na coordenação, entre 1966 a 1982” (Leve Tiros no coração, p.107).

Vista parcial da Escola Estadual Padre José Coelho, na década de 1970. Foto: Acervo pessoal de Jandira Amaral Rocha.

Um pouco depois do vigário começar a direcionar a escola, o mesmo pediu a D. Jandira para fazer um curso técnico em Belo Horizonte-MG, para que pudesse dar aulas de educação física para a turma feminina. Não deu outra, nossa personagem se formou no curso mas ficou só até 1971, visto que após passar em um concurso de magistério, conseguiu vaga para dar aulas apenas no meio rural. De volta ao ginásio, um tempo depois, ela começou a dar aulas de matemática.

“Não tinha faculdade em Patos de Minas nem em São Gotardo e eu já trabalhava, então ficava difícil ir em Uberaba ou Belo Horizonte, para fazer um curso. A única forma que encontrei foi ir durante as férias do meio e fim do ano”, falou Jandira Amaral.

Durante todo o tempo que Aristeu esteve por lá, eles trabalharam juntos. Com isso, a amizade entre o casal e o pároco ficou ainda mais forte. Para se ter uma ideia, foi o padre que foi o responsável por unir, após consentimento de Dona Anísia, no dia 16 de fevereiro de 1974, os dois em matrimônio. Desfilando na passarela da matriz, onde juraram fidelidade e amor eterno, Jandira com vinte e nove anos e Zé Rocha com trinta e três, testemunharam um no olhar do outro, a felicidade que irradiava paz.

Hoje, ambos aposentados, o casal vive sozinho, mas isso até que os filhos, netos, irmãos etc, cheguem, para irradiar a casa, que fica pequena para toda a família, além deles continuarem passando de pessoa para pessoa os valores aprendidos com seus pais, logo nos primeiros dias de suas vidas.

MORRE O PADRE, SOBREVIVE A IGREJA

Alguns anos se passaram, até que Dom José Lima chegou na região, para substituir o padre Aristeu por poucos dias. Mas foi José Batista Pereira que definidamente ficou em seu lugar, em 2 de setembro de 1984, quando esse protagonista foi afastado das suas tarefas e se despediu do munícipio de onde nasceu e se consagrou. O Cônego precisou ir para Belo Horizonte – MG às pressas, para começar um tratamento contra um mal que há alguns meses lhe causava.

Nisso, Joel Bernardes Macedo, Welligton Costa e Manoel João Batista (que tomou posse em 14 de fevereiro de 1993) e o José Ferreira da Silva (que veio assomar em agosto do mesmo ano), tiveram dias de grande expressividade com toda a comunidade, visto que cada qual tinha uma doutrina própria e todos de uma forma ou de outra já vinham preparando as pessoas para a troca de Dioceses, que aconteceu em 31 de julho 1999 com a entrada de Osvaldo Lopes de Camargo. Da cidade Luz-MG, Tiros passou a pertencer a Diocese de Patos de Minas-MG.

O último batizado realizado pelo padre Aristeu que está registrado nos livros do Escritório Paroquial, aconteceu no dia 26 de agosto de 1984. Nos livros, também há relatos de sua morte, que foram escritos pelo padre Ferreira, onde consta: “Faleceu Cônego Aristeu Cândido de Oliveira em 26 de novembro de 1993, sexta-feira, depois de vários dias internado no hospital de Belo Horizonte-MG”.

Antes de falecer, com 81 anos de idade, o mesmo recebeu homenagem no Rotary Clube de Tiros. Já em 2016, foi lembrado pela atual diretora Daurea Macedo, professores e alunos da E. E. Padre José Coelho, durante 50º aniversário da escola. Nas duas ocasiões, a sobrinha Alexina foi convidada a representá-lo.

Os mais lembrados padres de nossa comunidade, que fecham o clico dos administradores da Matriz de Santo Antônio são: Sebastião Paulino, que chegou em 17 de dezembro de 2002; Aureliano de Souza Aguiar, que assumiu em 15 de maio de 2013, Rui Cézar de Mendonça, que substituiu o último em 2 de fevereiro de 2013 e o atual em exercício, José Luiz de Araújo Paiva.

Cada religioso fica o equivalente a seis anos em uma paróquia, o que pode mudar dependendo das necessidades da Congregação em cada momento. As mudanças ainda que pareçam doloridas para o sacerdote e/ou para a comunidade são importante pois ajudam a evitar a acomodação, os novos desafios trazem sempre oportunidade de crescimento e fazem parte da própria missão que eles se propuseram a seguir.

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